Cotas e Bônus: Muito Além do A Favor ou Contra

Diante da discussão sobre as cotas e bônus para ingresso na universidade, tenho mantido postura de leitor das opiniões alheias, meditando sobre as diversas argumentações a favor ou contra. São muitas as pressões para declinar minha opinião e, de fato, como exige o assunto, e como educador, não posso me furtar a estudá-lo, o que faço com este artigo. Infelizmente nem todos que opinam estudam com profundidade a matéria, daí resultando em opiniões apaixonadas e raciocínios superficiais, tendo como consequência debates que pouco produzem e, muitas vezes, acabam em falta de respeito entre os debatedores, o que é lamentável.

Lemos na Constituição Federal, a lei maior de nosso país, que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho" (Art. 205).

Como podemos observar, não há distinção de pessoa, ou seja, a educação é um direito de todos. Para que esse direito seja promovido igualitariamente, propõe-se o Estado a:

"I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (parágrafos do artigo 3º da Constituição Federal).

Se não temos justiça e solidariedade; se não erradicamos a pobreza e a marginalização; se não promovemos desenvolvimento e reduzimos as desigualdades sociais; se existem preconceitos de todos os tipos, gerando discriminação; é porque não estamos fazendo o que deveríamos fazer e que consta na lei máxima como um dever. E digo que não estamos fazendo, porque o poder emana do povo e a educação deve ser promovida com a colaboração da sociedade, ou seja, não é tarefa de competência exclusiva do governo, como lemos acima na transcrição do artigo 205.

Bastaria cumprir a lei para termos uma nação sem necessidade de cotas, bônus, vestibular e outras coisas, como, por exemplo, a aprovação automática, mas é fato que a lei não é cumprida, e por esse motivo padecemos de inúmeros problemas sócio-educacionais que requerem medidas de urgência para minorar suas danosas consequências. Entretanto, devemos lembrar que medidas emergenciais não são solução, mas paliativos.

Pois bem, ainda estudando a Constituição Federal no que se refere à educação, lemos no artigo 206:

"O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal".

O texto da lei é claro: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, ou seja, mais uma vez não há distinção de pessoa, nem de classe social, cor, religião, sexo, etc.

Finalizando nosso estudo sobre as disposições da lei, lemos no Artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional:

"A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Cremos não haver dúvida quanto aos deveres do Estado e da sociedade em promover uma educação de qualidade para todos, sem nenhum tipo de distinção, através de escolas públicas e particulares em todos os níveis de ensino. Se isso não acontece, não é simplesmente porque existem preconceitos contra negros e índios, contra pobres e estudantes da rede pública de ensino, mas sim porque cultivamos, há séculos, o egoísmo e o orgulho, a hipocrisia e a vaidade através da educação, gerando, na prática, extratos culturais preconceituosos e discriminatórios, a favor de quem manda, de quem tem o poder o quer manter a todo custo, do que dão provas os famosos "currais eleitorais".

Em muitos estados brasileiros a percentagem de diretores escolares apadrinhados e indicados por políticos locais, nas escolas públicas, é da ordem de 30% a 50%.

Sabemos que a porcentagem do PIB aplicada à educação deve ser da ordem de 6% a 8%, e não os 4,4% atuais. Temos consciência da necessidade de uma Lei de Responsabilidade Educacional, criminalizando prefeitos, governadores e secretários de educação, que vivem desviando verbas e não cumprindo com os programas educativos em sua esfera de ação.

Diante de tudo isso, nossa conclusão é que cotas e bônus para ingresso na universidade são um paliativo que empurra para frente, quem sabe daqui há dez ou vinte anos, a solução, com um agravante: tudo estará mais complicado.

Por isso afirmamos: não se trata de ser a favor ou contra. A questão vai muito além: trata-se de cumprir a lei e fazer educação de qualidade para todos, dando oportunidades iguais e considerando toda pessoa da mesma forma, sem nenhuma distinção. Isso é papel da educação. É dever do Estado, e também da sociedade.

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