Invisibilidade

Todas as manhãs, ao som dos pássaros e o calor do sol, faço minha caminhada em praça pública, que, diga-se a verdade, é bem cuidada e possui até pista para os candidatos a atletas matinais. Ao lado fica uma escola pública e, conforme o tempo passa, vão se juntando os grupos de pais e estudantes, aqui e ali, em conversações e brincadeiras, até que o sinal estridente da escola anuncia a hora de entrar para mais um dia de estudos. E eis que nós, os praticantes da boa saúde física, que até então estávamos tranquilamente caminhando ou correndo, ao gosto e necessidade de cada um, passamos a ser invisíveis.

Explico. Ganhamos a invisibilidade graças à indiferença - total - das crianças e adolescentes para conosco. E não só das crianças e adolescentes, mas também dos pais e responsáveis. Todos, indistintamente, atravessam a pista de forma lenta, individualmente ou em grupos, conversando ou simplesmente distraídos da vida, e nós, os que deveríamos utilizá-la, somos obrigados a desviar, ir para a rua, fazer malabarismos para evitar encontrões e quedas, pois eles não estão nem aí para nossa existência e para o espaço que, em tese, deveriam respeitar.

Impressiona-me o estado de indiferença, de individualismo egoísta dos nossos jovens, manifesto em vários setores sociais e patenteado todas as manhãs, conforme meu testemunho.

O que está acontecendo? É fácil entender, basta observar os caminhantes e corredores usuários da pista. Quase sem exceção são adultos e da meia idade para diante. Raros dão um sorriso para os demais. Querer ouvir um bom dia é sonhar. E quando estão em dupla ou grupo maior, conversam sobre negócios ou fofocam a vida alheia. Indiferença total aos semelhantes e a temas importantes da vida, como a educação.

O mesmo acontece com pais e responsáveis que se espalham pela praça e, principalmente, junto ao portão de entrada da escola. Dá para ouvir, sem esforço, o diz que diz, enquanto as crianças e adolescentes, indiferentes ao que seus pais e/ou responsáveis falam e fazem, vão entrando, a maioria sem um bom dia, um beijo, um abraço ... nada!

Estamos insensíveis e egoístas. Nossa escala de valores é imediatista e rasteira, sem nenhuma preocupação com as questões morais e espirituais, que passam, igualmente, longe das coordenadas da escola, focada apenas em ensinar língua portuguesa, matemática, ciências e ter uma boa média nos provões promovidos pelo sistema para avaliar o ensino.

Sei que meus bisavós diziam que este país podia ser bem melhor. Que meus avós sempre disseram que não há razão para tantos problemas. Que meus pais gritam contra a corrupção e os desmandos. Que eu fico indignado com os problemas que ainda enfrentamos. E então paro para pensar: meus filhos formam a quarta geração, também eles dirão que o Brasil tem tudo para ser uma grande nação?

É urgente trabalharmos nossa escala de valores, na família e na escola, ou continuaremos a assistir esse triste e assustador quadro por mais uma geração, a dos nossos netos.

Pensemos nisso!

Comentários

Henrique disse…
Fui coordenador pedagógico de uma escola pública durante um ano. Raros os pais que davam um beijo em um filho quando se despediam à porta de entrada da escola.
Quando professor de anos superiores senti no coração a indiferença para com a dor alheia.
Somos invisíveis. Mas podemos influenciar. Não é o que os fantasmas fazem?

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