Palavra Infeliz

Vivemos uma síndrome do diploma e da autosuficiência acadêmica só comparável ao século 19, quando fazer parte de uma academia - científica, musical, literária - equivalia a ter sempre a última e definitiva palavra, mesmo que essa palavra fosse absurda. Foi assim que os acadêmicos rejeitarm diversas descobertas científicas, ditas impossíveis ou mera loucura. O quadro não mudou muito, embora vivamos no século 21.

A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo lançou no início de 2008 uma nova proposta curricular através do Jornal do Aluno em conjunto com a Revista do Professor. Hoje esses materiais estão reunidos no Caderno do Professor. Pois bem, alunos e professores da rede estadual de ensino protestaram, e protestam, alegando que o currículo foi imposto aos alunos e professores; que ele não se articula com as matérias dos livros didáticos; que ele tem linguagem difícil; que esse currículo traz sugestões de atividades com temas que não são do conhecimento dos alunos.

Todo esse rumor está estampado em comunidades virtuais - mais de 50 só no Orkut.

Essa polêmica serviu à revista Educação, edição nº 142, para um dossiê sobre "Quem decide o que se ensina". E a revista foi ouvir a Secretaria, representada pela assessora Maria Inês Fini, que afirmou:

"Nossa obrigação, como Secretaria de Educação, é propor. Os professores usaram e reagiram. Comunidade no Orkut é uma leviandade. (...) Somos professores, autores de livros. Sabemos o que estamos fazendo".

A palavra da assessora é infeliz. O fato dos membros da Secretaria acumularem certificados de mestrado e doutorado não lhes dá esse direito de se colocar acima do bem e do mal, ignorando solenemente o professorado, decidindo em nome de milhares de professores, muitos dos quais possuem diplomas de pós graduação e mestrado, e se encontram exercendo de fato o magistério, enquanto, sabemos, muitos mestres e doutores nunca saíram do gabinete universitário ou de uma secretaria. Podem exercer o ofício científico de elaborar propostas pedagógicas, mas daí a crerem ser detentores de todo o saber, vai muito longe.

Currículo emanado de um gabinete, ignorando a realidade, sem participação daqueles que fazem a escola, está fadado a muitas críticas e a morrer no caminho. Quando os mestres e doutores da educação vão entender que elaboração curricular pressupõe participação coletiva?

Ah, mas esses mestres e doutores escrevem livros. E temos que concordar com tudo o que escrevem? Será o professor destituído de razão, de pensamento crítico? Decerto que não.

Apesar de todos os avanços culturais, continuamos a assistir a imposição de cima para baixo, da Secretaria para as escolas, sem a existência de comunicação e, muito menos, participação.

A arrogância, prepotência e orgulho de muitos mestres e doutores em educação são pedras no caminho do ensino. Enquanto deixarmos o academicismo tomar conta do trabalho curricular, continuaremos a assistir fracassos pedagógicos.

O mínimo que se esperava da assessora era uma atitude de humildade, informando que a Secretaria da Educação estava estudando as reclamações. Mas sua palavra deixou tudo bem claro: quem entende somos nós, os outros que fiquem no seu lugar. Esqueceu que esses outros, em maioria, também possuem diploma de Pedagogia.

Pensemos nisso!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Escolas diferentes pelo mundo

Uma nova dinâmica para a evangelização

Carta pela paz no mundo