O amanhã depende do hoje

Relata-me uma professora de escola pública a seguinte cena: a mãe de um aluno que estava com baixa avaliação adentrou à escola e, ao avistar a professora, foi logo agredindo, com tapas e palavrões, pois, segundo ela, o filho não ia bem nos estudos por culpa da professora. Minha colega teve que ser medicada, ficou psicologicamente abalada e entrou de licença, não conseguindo mais adentrar à escola, carregando um trauma de difícil solução. Você que me lê pode dizer: mas isso é caso de polícia, essa mãe tem que ser presa, tem que responder um processo na justiça, pois não se pode agredir uma professora, e ainda mais no ambiente escolar. Na verdade não se deve bater numa professora, ou num professor, em nenhum lugar, como não se deve agredir ninguém, por nenhum motivo. A questão é mais profunda: normalmente conselhos tutelares e secretarias de educação não dão respaldo ao professor, que fica à mercê das considerações públicas nem sempre justas. Mesmo colegas professores, coordenação pedagógica e direção escolar nem sempre dão apoio. Diz-se mesmo, nos bastidores, que a professora "mereceu". Como? Desde quando um profissional da educação merece apanhar de uma mãe ou de um pai?

Essa cena, de tão cotidiana nas escolas brasileiras, e não apenas públicas, levou os professores a se desestimularem, a perder o entusiasmo e contar os dias para a aposentadoria. E quando apresentamos uma nova visão sobre a educação, uma proposta pedagógica transformadora, não encontram forças para acreditar que poderá dar certo, até porque é muito difícil, pensam, muito difícil mesmo mudar esse quadro social que deságua na escola com toda força. Assim pensando, deixam de lado novas perspectivas, e os que fazem diferença continuam a ser exceção.

Tudo isso é consequência de uma série de fatores acumulados ao longo do tempo, principalmente o descaso que fizemos com a educação, transformada em ensino de conhecimentos, em instrução de um professor para um aluno. Esse descaso desvalorizou o professor e estagnou a escola que, na contramão do que propõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, se engessou em séries por idade, avaliações por provas, notas quantitativas e aulas burocráticas em que um ensina e os outros tentam aprender. É claro que isso jamais irá justificar qualquer tipo de violência contra o professor e a escola, mas é fato que o projeto pedagógico escolar precisa urgentemente contemplar o que hoje chamamos de comunidade de aprendizagem, ou seja, uma série de ações e visões que integrem a família e a comunidade onde ela está inserida, que façam com que educadores e educandos compartilhem, decidam e façam em conjunto.

Tristemente constato que minhas palavras são pouco ouvidas. Quando as publico em redes sociais, ou faço a divulgação deste blog, pouco sou "curtido", comentado e compartilhado. Também, é mais outro texto sobre educação. E isso é importante diante da política, da economia, das notícias artísticas, das fofocas e polêmicas etc? Para muitas pessoas, e são muitas demais para meu gosto, educação é problema da escola e dos professores, então não é assunto prioritário. O que eu tenho a ver com isso? É assim que muitos reagem. Pobre nação brasileira, cujo povo nada entende de educação e nem quer saber que somente a educação pode resolver os problemas sociais e acabar com a corrupção e com a violência. Não essa educação que hoje acontece na maioria das escolas, com o agravante do desleixo educacional das famílias. Mas, com certeza, com essa educação transformadora, tendo por diretrizes a ética, a solidariedade, o respeito, ou seja, os valores humanos essenciais para uma humanidade cooperativa.

Vamos em frente! Se hoje está difícil, tenho certeza que amanhã, graças aos esforços de tantos que estão trabalhando por uma nova educação e uma nova escola, tudo será bem diferente e muito melhor.

Comentários

Adriano Monteiro disse…
Bela reflexão meu amigo.
Há algum tempo atrás li um artigo que traçava um panorama sobre o fracasso escolar no Brasil. Bernard Charlot, o entrevistado, afirmava não haver um panorama de fracasso escolar mas sim uma perda de sentido no que diz respeito à educação. Mas a verdade é que nossas escolas, ao longo dos anos, vem se assemelhando muito mais à depósitos de seres humanos que locais onde serão desenvolvidos aqueles seres emancipados, conscientes de sua historia e posição no mundo. Onde professores desestimulados tornam-se verdadeiros burocratas da educação. Ora, se a escola reflete o tipo de sociedade que desejamos ter, o panorama é sim de fracasso, pois se não há sentido na educação, haverá sentido em que?
Bourdieu afirmava que escolas em situação de vulnerabilidade estão fadadas ao fracasso, e hoje vemos, através dos episódios de violência dentro de sala de aula um reflexo do que esses alunos experimentam fora dos muros da escola. O avanço da criminalidade, da violência e da degradação moral; o reflexo de lares disfuncionais e de uma total falta de perspectiva em relação à vida.
Enfim, ainda vivemos de iniciativas individuais no campo da educação e sua observação sobre o descaso dos demais sintetiza isso.
No País do imediatismo, da esperança perene e de um futuro que nunca chega, educação é só uma palavra. Uma bela máxima, que escoa pelo ralo das demandas imediatas de uma sociedade utilitarista. E assim vamos caminhando como na canção d Zé Ramalho.
Marcus De Mario disse…
Suas palavras refletem bem nosso sentimento de perplexidade diante da falta de compreensão do poder da educação para, no presente, fazer esse futuro tão falado e sonhado.

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