Vacina educacional
O início do século 20 foi marcado pela epidemia da gripe espanhola, com 500 milhões de pessoas infectadas, calculando-se em torno de 20 milhões de mortes, acompanhando o final da trágica primeira guerra mundial com 17 milhões de mortos (esse número é variável, podendo ser maior), ou seja, somando-se as baixas da epidemia viral com as baixas da guerra mundial, temos 37 milhões de mortes, com algumas pesquisas alegando que esse número pode chegar a 50 milhões de pessoas vitimadas fatalmente.
Apesar de números tão estarrecedores, isso não evitou que o egoísmo, o orgulho, a indiferença e a fome de poder material levasse o ser humano a uma nova guerra mundial, vinte anos depois, resultando em 70 milhões de vítimas e ampla destruição, com dores e sofrimentos inenarráveis.
Durante o século 20 tivemos pelo menos 21 genocídios espalhados pelo mundo, levando aproximadamente 100 milhões de pessoas à morte, tendo por causa perseguições étnicas e conflitos religiosos.
Ao todo, somando-se a gripe espanhola, as duas guerras mundiais e os genocídios, chegamos à impressionante e dolorosa constatação de 207 milhões de seres humanos mortos por tragédias violentas causadas pelo próprio ser humano. Isso sem contar as inúmeras guerras civis que aconteceram em várias partes do mundo.
O que aprendemos com tantas tragédias? Quase nada.
Vinte anos de século 21 e as tragédias humanas continuam as mesmas. Perseguições étnicas, disputas religiosas, guerras civis, ameaças de invasão e, agora, a pandemia do novo coronavírus, que já infectou mais de 100 milhões de pessoas e vitimou mais de 2 milhões. E continuamos a assistir a hipocrisia, o negacionismo, o egoísmo, a leviandade, a falta de sensibilidade, o preconceito campearem com seu cortejo de destruição, dor e sofrimento.
É que deixamos passar um século, um dos piores séculos que a humanidade já teve, se não mesmo o pior, sem acreditar na vacina da educação para mudar esse quadro, para transformar as pessoas e a coletividade.
A verdade é que, apesar das vastas verbas nacionais e internacionais dedicadas à educação, elas têm sido aplicadas naquilo que não é educação, mas somente instrução, memorização, intelectualização, bem longe do discurso sobre os pilares da educação e a formação para a cidadania. As crianças e os jovens da atualidade não sabem se colocar no lugar do outro, não desenvolveram a empatia, estão, como as gerações passadas, insensíveis e indiferentes.
Em meio à pandemia, vemos jovens ávidos por continuarem nas baladas, lotando as praias, dando péssimos exemplos à sociedade. Vemos adultos radicalizando ideologias, lutando pelo poder a qualquer custo, desequilibrando a natureza planetária, mais interessados em si mesmos e nos seus grupos de interesse do que o bem estar de todos.
Onde a falha? Está na falta da verdadeira educação.
Insistimos em não querer nos vacinar moralmente. Insistimos em cada um por si. Insistimos em substituir o educar pelo ensinar, ensinando coisas inúteis e que não alcançam as causas dos problemas que enfrentamos, pois a educação que promovemos não combate o egoísmo e o orgulho, a indiferença e a hipocrisia, a corrupção e a violência. Temos a capacidade de saber fatos históricos, decorar acidentes geográficos, saber nadar, falar em dois ou mais idiomas, e não somos capazes de nos amar, de saber conviver com as diferenças, de abrir mão do personalismo.
O único remédio eficaz é a educação, mas enquanto fugirmos dela, maquiando sua ação com coisas que ela não é, tenderemos perigosamente para repetir no século 21 o que fizemos no século 20, como se não fossemos seres humanos, pois somente o avestruz, que é uma ave, enterra a cabeça na terra para não ver os problemas e ter que enfrentá-los de cabeça erguida, para o encontro de uma solução definitiva que, queiramos teimosamente não admitir, está toda na educação.
Está mais do que na hora de aplicarmos essa vacina.
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