O Espiritismo no contexto humano

 

Com o avanço científico e cultural realizado principalmente a partir do século 18, novas luzes foram acesas no conhecimento humano, permitindo que em meados do século 19 tivéssemos condições para receber a revelação espírita, após intenso trabalho de Allan Kardec junto aos Espíritos Superiores, via mediunidade, dando surgimento à obra O Livro dos Espíritos e ao consequente lançamento do Espiritismo ou Doutrina Espírita. Uma nova era tinha início, com sérias e profundas implicações na evolução humana, face a uma doutrina que une em seu edifício doutrinário a ciência, a filosofia e a religião, não apenas do ponto de vista material, mas igualmente do ponto de vista espiritual. O Espiritismo, como muito bem afirma Kardec, não é doutrina formulada pela concepção de um homem, e sim doutrina emanada dos ensinos dos Espíritos, que se revelaram através dos fenômenos mediúnicos devidamente observados e estudados, ou seja, é doutrina trazida pelos desencarnados para os encarnados, todos seres humanos, portanto, uma doutrina de ordem natural, sem nada de místico ou sobrenatural.

A finalidade maior do Espiritismo é auxiliar o progresso moral da humanidade, o que somente poderá acontecer conforme o paulatino e progressivo progresso moral dos indivíduos, pois a humanidade nada mais é do que o coletivo dos seres humanos. Não há como transformar as estruturas sociais sem transformar os homens e mulheres, pois são eles que fazem essas estruturas. Nesse contexto devemos entender a necessidade de mudanças profundas na mentalidade, no pensamento e nas ações de cada um, aqui nos incluindo, para que haja um efetivo combate ao egoísmo e ao orgulho, as duas grandes chagas da nossa sociedade.

O Espiritismo vai muito além da mediunidade, da assistência e promoção social, do passe, do tratamento espiritual, que caracterizam muitos centros espíritas. Embora sejam serviços pertencentes à ação espírita, e tenham sua importância, não resumem nem revelam em sua totalidade a doutrina trazida pelos Espíritos. Os dirigentes espíritas precisam se conscientizar da maior importância do estudo doutrinário (conhecimento e prática do Espiritismo), da evangelização da família (da criança ao adulto) e da prática do bem em todas as circunstâncias (fora da caridade não há salvação), para que as pessoas possam realizar seu melhoramento moral.

Os espíritas, em grande parte, ainda não se conscientizaram que o Espiritismo é essencialmente doutrina de educação da alma imortal, solicitando de cada um a transformação moral para que, assim transformados, possam transformar moralmente a humanidade.

Almas imortais, ou Espíritos, somos todos nós e não apenas os que se encontram desencarnados, vivendo no mundo espiritual, e que se apresentam através dos médiuns nas reuniões mediúnicas do Centro Espírita. E como seres humanos que são, apenas desprovidos do corpo material, devem revelar sua superioridade moral nas comunicações que realizam, pois do contrário não devemos levar em conta o que dizem ou o nome que utilizam. Tanto aqui na Terra quando no mundo espiritual existem os ignorantes, os malandros, os pseudo sábios, os enganadores e assim por diante, motivo pelo qual não devemos aceitar tudo o que os Espíritos dizem, devendo passar suas comunicações pelos crivos da razão, da lógica, do bom senso, da universalidade dos seus ensinos e pelos princípios que formam o Espiritismo. Não precisaríamos fazer esta advertência se estudássemos melhor a própria Doutrina Espírita, pois tudo isso está perfeitamente assinalado por Kardec nas obras da codificação espírita.

Muitos espíritas ainda consideram o Espiritismo no rol das revelações messiânicas salvacionistas, fazendo do Centro Espírita uma simples igreja para frequência ritualística, onde recebem as benesses espirituais, sem, entretanto, mudar uma vírgula das suas concepções, dos seus valores e das suas ações no mundo. Não entenderam que a moral espírita não é de fachada, é, pelo contrário, substancialmente interior, exigindo de cada adepto a sua transformação através de esforços contínuos para combater suas más tendências de caráter e desenvolver suas virtudes, único caminho para ter um encontro com a verdadeira felicidade, seja neste mundo ou após a morte, como consequência mesmo desses esforços, e não como uma dádiva celestial especial que não pode ser concedida a quem não a merece. Como nos diz Pedro de Camargo, o saudoso Vinicius, fora da educação não há salvação, estando aqui entendido que falamos da educação moral, como bem estabelecido por Kardec no comentário que faz à resposta dos Espíritos na questão 685a, em O Livro dos Espíritos.

O Espiritismo lança luzes em todas as áreas do conhecimento humano. Se tivesse limites, fronteiras bem marcadas; se se circunscrevesse, por exemplo, à mediunidade, não poderia ter como finalidade a transformação moral de humanidade. Diante disso, não é concebível que os centros espíritas realizem semanalmente apenas uma reunião de palestra pública, uma reunião mediúnica e pouca coisa mais, passando boa parte dos seus dias com as portas fechadas, muitas vezes não tendo grupos de estudo da doutrina e/ou evangelização das crianças e dos jovens, ainda confundindo a caridade com a mera distribuição mensal de cestas de alimentos aos mais pobres, que caracteriza o assistencialismo, sem realizar a promoção social, tão necessária.

Tanto o Espiritismo quanto o Centro Espírita estão situados no contexto humano, no seu caldo cultural, devendo influenciar a cultura materialista que ainda predomina, para que possam os homens e as mulheres adentrarem à sua realidade espiritual, quando terão possibilidade de alterar os runos da humanidade.

Repetimos: em sua essência o Espiritismo é doutrina de educação. Revive o Evangelho em espírito e verdade; demonstra através dos fatos a vida futura após a morte; descortina nosso potencial divino; explica as causas das dores e dos sofrimentos; vislumbra a lei de evolução, mostrando que somos seres perfectíveis em progresso. Tudo isso com bases científicas, filosóficas e de consequências morais como nunca se vira antes na história humana, convidando-nos para o voo da alma, aqui e agora, na transcendentalidade que nos pertence. Está na hora, na verdade desde 1857, dos espíritas cumprirem a missão dada ao Espiritismo, educando-se, transformando-se, para educar e transformar a sociedade humana, levando nosso mundo terreno à categoria de mundo de regeneração, como revelado pelos Espíritos no capítulo terceiro de O Evangelho Segundo o Espiritismo.

Artigo publicado originalmente na revista O Consolador, edição 848: www.oconsolador.com.br

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