Cuidados na publicação do livro mediúnico

Com o advento da tecnologia de informação ficou muito prático preparar a edição de um livro, e mesmo publicá-lo, seja no formato impresso ou digital. Com isso, determinados cuidados literários, e no caso do livro espírita, também cuidados doutrinários, estão ficando à margem, e temos então o lançamento de obras de valor literário e doutrinário duvidoso. Alguns livros não são bem escritos, ou seja, são literariamente pobres; outros contém erros gramaticais que uma boa revisão corrigiria; outros difundem princípios que colidem com o Espiritismo, embora se rotulem de livro espírita. E se tudo isso acontece com obras de escritores encarnados, exigindo de autores e editores a melhoria dos critérios para publicação de um livro que, em princípio, vai divulgar. a Doutrina Espírita, o mesmo deve ser feito com as obras ditas mediúnicas, escritas por autor espiritual (desencarnado) através de um médium. Como sempre nos alertou Allan Kardec, nem tudo o que provém dos espíritos é bom ou deve ser aceito sem julgamento, sem análise criteriosa.

Analisar, julgar o que vem dos espíritos é muito importante, pois no mundo espiritual temos do ignorante ao sábio, do mau ao bom. E ainda temos outra questão relevante: a intermediação do médium, que pode ser um instrumento fiel ou infiel. Ao verificar a enorme quantidade de livros mediúnicos lançados mensalmente pelas editoras, ou de forma independente pelos médiuns, percebemos que esses cuidados nem sempre são observados, o que tem levado a público obras com flagrantes erros doutrinários, ideias pessoais dos autores espirituais, ou simplesmente mal escritas. Muitos médiuns alegam em sua defesa que os livros são publicados tendo por objetivo financiar obras assistenciais, entretanto devemos lembrar que nem sempre os fins justificam os meios.

Para maior exemplo sobre os cuidados que devemos ter na publicação de livros mediúnicos, vamos estudar o caso Memórias de Um Suicida, livro de autoria do espírito Camilo Cândido Botelho, na verdade pseudônimo do escritor português Camilo Castelo Branco, e recebido pela médium Yvonne do Amaral Pereira, médium bastante conhecida dos espíritas, que nos deixou exemplos dignificantes do uso das faculdades mediúnicas, além de ter sido grande estudiosa do Espiritismo.

Yvonne Pereira relata na apresentação da obra que o livro não foi propriamente psicografado, mas seu conteúdo foi narrado pelo autor espiritual aproveitando a faculdade de emancipação da alma da médium, faculdade essa também conhecida como desdobramento. Ela, no mundo espiritual, ouviu as narrativas e viu as imagens dessas narrativas, captando o que o autor queria lhe transmitir para, depois, em vigília, acordada, ela mesma passar para o papel o conteúdo na forma de texto. Ela relata que esse processo teve início por volta do ano de 1926, e foi supervisionado pelo eminente espírito Léon Denis, que durante vinte anos lhe amparou, prometendo fazer revisão completa dos escritos. Passemos a palavra à médium:

“Devo estas páginas à caridade de eminente habitante do mundo espiritual, ao qual me sinto ligada por um sentimento de gratidão que pressinto se estenderá além da vida presente. Não fora a amorosa solicitude desse iluminado representante da Doutrina dos Espíritos – que prometeu, nas páginas fulgurantes dos volumes que deixou na Terra sobre filosofia espírita, acudir ao apelo de todo coração sincero que recorresse ao seu auxílio com o intuito de progredir, uma vez passado ele para o plano invisível e caso a condescendência dos Céus tanto lho permitisse – e se perderiam apontamentos que, desde o ano de 1926, isto é, desde os dias da minha juventude e os albores da mediunidade, que juntos floresceram em minha vida, penosamente eu vinha obtendo de Espíritos de suicidas que voluntariamente acorriam às reuniões do antigo "Centro Espírita de Lavras", na cidade do mesmo nome, no extremo sul do Estado de Minas Gerais, e de cuja diretoria fiz parte durante algum tempo. Refiro-me a Léon Denis, o grande apóstolo do Espiritismo, tão admirado pelos adeptos da magna filosofia, e a quem tenho os melhores motivos para atribuir as intuições advindas para a compilação e redação da presente obra. Durante cerca de vinte anos tive a felicidade de sentir a atenção de tão nobre entidade do mundo espiritual piedosamente voltada para mim, inspirando-me um dia, aconselhando-me em outro, enxugando-me as lágrimas nos momentos decisivos em que renúncias dolorosas se impuseram como resgates indispensáveis ao levantamento de minha consciência, engolfada ainda no opróbrio das consequências de um suicídio em existência pregressa” (1).

Anotemos: vinte anos de envolvimento entre médium e benfeitor espiritual. Mesmo assim, a revisão necessária da obra não foi realizada com facilidade. Quem nos explica isso é o próprio Léon Denis, em prefácio à obra, onde esse ilustre espírito assim se expressa:

“Revisão criteriosa impunha-se nesta obra que há alguns anos me fora confiada. para exame e compilação, em virtude das tarefas espiritualmente a mim subordinadas, como da ascendência adquirida sobre o instrumento mediúnico ao meu dispor. Fi-lo, todavia, algo extemporaneamente, já que me não fora possível fazê-lo na data oportuna, por motivos afetos mais aos prejuízos das sociedades terrenas contra que o mesmo instrumento se debatia, do que à minha vontade de operário atento no cumprimento do dever. E a revisão se impunha, tanto mais quanto, ao transmitir a obra, me fora necessário avolumar de tal sorte as vibrações ainda rudes do cérebro mediúnico, operando nele possibilidades psíquicas para a captação das visões indispensáveis ao feito, que, ativadas ao grau máximo que àquele seria possível comportar, tão excitadas se tornaram que seriam quais catadupas rebeldes nem sempre obedecendo com facilidade à pressão que lhes fazia, procurando evitar excessos de vocabulário, acúmulos de figuras representativas, os quais somente agora foram suprimidos”.

Como podemos perceber, a ligação mental e magnética entre espírito e médium é delicada, não é fácil de ser realizada, tendo o espírito Léon Denis encontrado a médium Yvonne Pereira se debatendo com problemas de ordem material que afetavam sua sintonia, além do que, sua capacidade mediúnica possuía limites que eram imprescindíveis serem respeitados.

O livro Memórias de Um Suicida foi publicado somente no ano de 1954, pela Federação Espírita Brasileira, tendo sua segunda edição, revista e corrigida pelo espírito Léon Denis, vindo a público no ano de 1957.

Finalizando nossas considerações sobre os cuidados que devemos ter com a publicação de livros mediúnicos que recebem o rótulo espírita, passemos a palavra novamente a Yvonne Pereira, quando, no final de sua apresentação, nos mostra o quanto o médium deve ser humilde e procurar por todos os meios se certificar de aquilo que recebeu literariamente, deve, realmente, ser publicado:

“Proibi-me, durante muito tempo, levá-la ao conhecimento alheio, reconhecendo-me incapaz de analisá-la. Não me sinto sequer à altura de rejeitá-la, como não ouso também aceitá-la. Vós o fareis por mim. De uma coisa, porém, estou bem certa: é que estas páginas foram elaboradas, do princípio ao fim, com o máximo respeito à Doutrina dos Espíritos e sob a invocação sincera do nome sacrossanto do Altíssimo”.

Meditemos profundamente sobre os apontamentos que trazemos, pois, como nos afirma o espírito Erasto, em O Livro dos Médiuns, no capítulo 20, item 230: “Melhor é repelir dez verdades, do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea” (2).

Referências

(1) Botelho, Camilo Cândido/Pereira, Yvonne do Amaral. Rio de Janeiro: Feb, 10 ed., s/data.

(2) Kardec, Allan. Livro dos Médiuns, O. Rio de Janeiro: 71 ed., 2003.


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