Currículo e vida

É possível conciliar o currículo escolar com os fatos da vida cotidiana?

Essa foi a pergunta a mim dirigida por um professor da educação básica, para a qual respondi com outra pergunta:

E porque não seria possível?

O esperançoso e poético educador Rubem Alves contava a rica e estimuladora “aula” a partir de um copo descartável, tão comum no nosso cotidiano. Para que serve? Do que é feito? De onde vem sua matéria-prima? Qual é a indústria que o processa e como? Como deve ser descartado? Qual é a sua influência no sistema ecológico planetário? Ele deve ser substituído por copos feitos de materiais mais ecológicos? E assim a aula tratou de história, química, ecologia, responsabilidade social, processos industriais.

Lembro de um professor de literatura que levou música para a turma de jovens estudantes do ensino médio, deleitando-se em ouvi-las. O que a música tem a ver com a literatura e a língua portuguesa? Tudo! As músicas são compostas de melodia e letra. Já paramos para analisar as letras das músicas e verificar que são poemas musicados? Qual o significado do que estamos cantarolando? Qual é a estrutura de construção das frases?

Outro professor colocou os alunos em círculo e estampou uma página de jornal com reportagem sobre meninos e meninas envolvidos com o tráfico de drogas, convidando-os a mergulhar no conteúdo e trazer os variados aspectos sociológicos e antropológicos daquela realidade. A vida enriquecendo a sala de aula e trazendo diversos conteúdos curriculares para discussão.

O revolucionário educador José Pacheco, famoso pela escola portuguesa da Ponte, costuma olhar para seus alunos e perguntar: O que vocês querem aprender? A partir dos interesses individuais uma gama variada de aprendizados é realizada, trazendo para a conversação diversos conteúdos que estão no programa curricular.

E o escritor, professor e dramaturgo Ariano Suassuna com suas aulas diferentes, apelando para a construção de imagens, para a criatividade, fazendo pensar e tornando os conteúdos curriculares agradáveis e plenamente afinados com a vida? E a vida descortinando os conteúdos curriculares?

Por fim, minha lembrança vai até a professora Lucy, que no ensino fundamental viu que seus alunos adorava múcica e fazer das carteiras verdadeiros instrumentos musicais. Ela lecionava língua portuguesa, e resolveu fazer do universo musical o motivo de suas aulas, sempre de acordo com as experiências musicais de seus alunos, até conseguir introduzir o que eles não conheciam desse universo tão rico que é a música. Todos aprenderam muito bem a língua portuguesa.

Bons exemplos não faltam. Não precisamos abandonar o currículo, pois ele é um norteador do trabalho, mas devemos tirar o gesso que o deixa frio e distante da vida. Basta colocar criatividade e dinâmica, permitindo que os alunos participem ativamente do processo de aprendizagem.

Levar as questões da vida para a escola, deixando-as adentrar à sala de aula, é enriquecer o currículo e aproximá-lo da realidade dos alunos. Além disso, é fazer com que a aprendizagem tenha significado e não precise, portanto, ser memorizada, o que se perderá com o tempo, pois conhecimento que não se pratica é conhecimento inútil, logo descartado por outro.

Currículo e vida devem se dar as mãos. O professor deve para de querer dar aula, de querer ensinar, para deixar a aprendizagem participativa fluir e renovar a escola e a educação.

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