Da proibição à educação
Uma ampla discussão toma conta da sociedade, envolvendo pais, especialistas da educação e legisladores: o que fazer com o uso do celular entre crianças e adolescentes? Cresce o clamor para a proibição do uso desses aparelhos no ambiente da escola, e não faltam opiniões e pesquisas para falar dos malefícios dessa tela digital no processo de ensino e aprendizagem. Cremos que a questão não deveria estar restrita a proibir ou não proibir, tomando-se o celular como o grande vilão do melhor desenvolvimento dos jovens, pois acreditamos que o assunto comporta outro tipo de abordagem que, não temos dúvida, passa pela educação.
Recordemos a história da evolução tecnológica dos últimos cem anos. Quando a transmissão radiofônica surgiu e os aparelhos de rádio invadiram os ambientes domésticos, houve quem dissesse que a radionovela, os programas musicais de auditório e os noticiosos não permitiam mais a salutar convivência das pessoas no lar, que ficavam muito tempo atentas ao rádio, o grande vilão. Depois veio a televisão, que virou febre nacional, e a família não saía mais da sala, grudada na telinha, assistindo os programas, interrompendo a convivência, pois exigia-se silêncio, como já havia acontecido na era do rádio. Agora a vilã era a televisão. Com a evolução tecnológica, vieram o vídeo game e o vídeo cassete, fazendo com que horas intermináveis fossem gastas em jogos e filmes, e novamente crianças, jovens e adultos foram impactados. Foi então a vez do computador assumir o posto de vilão do desenvolvimento humano, ainda mais quando os computadores domésticos e pessoais começaram a fazer parte de nossa vida cotidiana. Agora é a vez do celular e tudo o que se pode fazer com ele.
Como podemos ver, ao longo dos últimos cem anos de avanços tecnológicos que adentraram na família, tivemos uma sucessão de aparelhos que se tornaram vilões da boa convivência e do bom desenvolvimento humanos. Perguntamos: o problema está nas tecnologias ou na educação, ou em outras palavras, o problema está nas tecnologias ou no uso que fazemos delas? As tecnologias digitais de nossa época são, em si mesmas, neutras, pois dependem totalmente do uso que delas fazemos, e esse uso, bom ou ruim, depende da educação que recebemos, que deveria desenvolver nosso senso moral e nossa consciência sobre o que é bom ou não para nós e para os outros; educação que deveria nos mostrar a diferença entre o bem e o mal proceder para conosco e para os outros.
Desenvolver essa educação, que em síntese é a educação moral, a que preserva a autonomia do educando mas lhe fornece diretrizes seguras, que o faz pensar, como dizemos, desenvolver essa educação dá trabalho, então pensam que a simples proibição do uso do celular na escola resolverá o problema. Proibir não é solucionar. Educar, sim, é solução.
Tudo o que é proibido, sem a contrapartida da conscientização, desafia o jovem a procurar meios de burlar a proibição. Em minha época de estudante no hoje ensino fundamental, estudando numa escola pública estadual na cidade de São Paulo, vivíamos com uma série de proibições, em tempos em que as escolas públicas possuíam os inspetores de ensino, verdadeiros vigias, agentes de segurança da vida escolar. O que mais fazíamos, os alunos, era criar maneiras de burlar a vigilância e fazer o que era proibido, pois não sabíamos porque era proibido, porque não podíamos fazer quando o que mais queríamos é ter todas as experiências. E por que tínhamos que fazer o que não queríamos fazer? Nunca nos explicaram, falhando nisso o processo educacional, sempre confundido com o processo de ensino; mas ensinar é uma coisa, educar é outra.
Eduquem-se as crianças e não será preciso construir prisões, já dizia a antiga filosofia grega, referindo-se à educação moral do ser humano, que é uma alma imortal. Hoje, entretanto, a preocupação educacional nas escolas está em ensinar e mais ensinar, dando conhecimentos os mais diversos, preparando os jovens para uma carreira acadêmica e/ou profissional, ao ponto de muitos pedagogos e professores afirmarem que a educação moral é problema da família, é função dos pais, nada tendo a escola com isso. É um equívoco de graves consequências, as quais restamos vivendo na atualidade.
Escola e família são as duas grandes e importantes instituições de educação do ser humano, devendo trabalhar em conjunto, equilibrando a educação intelectual com a educação emocional, desenvolvendo de forma equilibrada, integrada, o potencial da criança, fazendo com que, através do desenvolvimento do senso moral, saiba discernir, de forma consciente, sobre o que lhe convém, e para os outros, e o que não lhe convém, nem para os outros. Esse é o resultado que a educação deve alcançar, e então não teremos mais necessidade de proibições e legislação punitiva.
A alma imortal que somos, no seu percurso em demanda para a perfeição, solicita apenas uma coisa: educação!.
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