Os três reinos
Ao fazermos a leitura e estudo do Evangelho, utilizando para isso os princípios que sustentam o Espiritismo, doutrina que revive os ensinos morais de Jesus, deparamo-nos com o Mestre Divino falando sobre o Reino de Deus e o Reino dos Céus, ora se referindo a um, ora se referindo a outro. E vemos também os seus discípulos diretos, assim como outros personagens que interagiram com Ele, fazendo interpretações divergentes sobre o significado desses dois reinos. O entendimento não é pacífico, ou pelo menos não o era naquele tempo, pois os judeus ansiavam pela vinda do Messias, o Enviado do Senhor, para restabelecer a hegemonia da nação de Israel no contexto humano, com a expulsão dos gentios da Terra Prometida, ou seja, a Palestina, afinal, eram eles o povo escolhido de Deus, segundo a crença em que acreditavam com toda força. Assim, para muitos a palavra de Jesus, considerado profeta da Galileia pelos que o seguiam e escutavam sua palavra, significava que aquele era o momento em que o Reino de Deus se estabeleceria definitivamente no Reino da Terra. Como isso se daria? Como aconteceria? Nesse contexto, as figuras de Barrabás e de Judas Iscariotes representam a interpretação literal, ao pé da letra, dessa ânsia de soerguimento do povo judeu, considerando que deveria haver um levante contra a impiedade do Império Romano, tendo em Jesus o líder espiritual do movimento revolucionário. Mas Jesus advertiu: quem com a espada fere, com a espada será ferido, pois o Reino de Deus não pode ser implantado no Reino da Terra com o uso da violência, mas sim da paz, através da solidariedade e da fraternidade.
Os judeus consideravam o Reino dos Céus inacessível aos mortais, sendo morada dos puros e dos eleitos de Deus, não entendendo convenientemente o fenômeno da morte e a existência da vida espiritual, embora considerassem os aspectos da ressurreição do espírito, que não sabiam exatamente como se dava. Os fariseus, seita religiosa dominante entre eles, estavam perdidos em mil interpretações sobre as escrituras sagradas, dedicando-se a conchavos políticos, cultos externos e outras coisas, que mostravam claramente que suas preocupações primeiras não eram de ordem espiritual, tanto que tiveram imensa dificuldade em compreender Jesus, espantando-se com seus ensinos e ações em torno do amor ao próximo, considerando-o mesmo um herético. A politização da religião estava em curso; a fé era mercantilizada; a adoração de Deus através de atos exteriores acompanhados da hipocrisia, era fato estabelecido entre os doutores da lei. Havia, entre os judeus, a fermentação paulatina da massa para uma revolução, e isso contaminou tanto Barrabás quanto Judas Iscariotes, que se deixaram enganar pelo falso cântico da tomada do poder político e militar, como caminho para implantação do Reino de Deus na Terra.
Ora, tanto o Reino da Terra, assim como o Reino dos Céus, são apenas aspectos ou dimensões do Reino de Deus, o criador de tudo o que existe, o princípio de todo o universo, a causa primária da vida. E Deus é o amor vibrando em tudo, foco ardente do maior dos sentimentos, portanto, sendo a violência incompatível com o seu Reino, seja na terra como no céu.
Contudo, mais de dois mil anos nos separam dos acontecimentos da época em que Jesus, emissário divino, esteve entre nós ensinando o amor, e ainda assim não conseguimos aprender suas sublimes lições, insistindo em mesclar a religião com a vida mundana, com as ideologias políticas e interesses meramente materiais. Continuamos a assistir padres e pastores assaltando o Reino de Deus através de conchavos políticos, assim como pela exploração dos mais fracos e ingênuos, enriquecendo às custas de falsas promessas que escondem muitas vezes o enriquecimento pessoal ilícito, o poder absoluto e outras coisas que mancham profundamente a missão primeira da religião, que é espiritualizar o ser humano. A escalada do pensamento materialista e das ideologias conservadoras e radicais que hoje assistimos, em grande parte foi impulsionada por essa derrocada dos representantes da religião, levando as pessoas a mesmo desacreditarem de Deus.
Os dirigentes das instituições espíritas, médiuns e palestrantes do Espiritismo, não estão isentos desse equívoco, motivo pelo qual todos devemos manter firme vigilância contra o assédio do egoísmo, do orgulho, da vaidade, da prepotência e, também, da sedução das palavras bonitas e arrebatadoras dos Espíritos enganadores, pseudossábios, que se servem de médiuns desavisados, invigilantes, que pouco estudaram, e menos compreenderam, a Doutrina Espírita.
O Espiritismo tem por missão acelerar a transformação moral da humanidade, motivo pelo qual prioriza a educação moral das novas gerações, e a nossa autoeducação moral, para que o Reino de Deus possa definitivamente fazer luz no Reino da Terra e no Reino dos Céus, pois a lei divina nos conclama ao progresso incessante. Jesus não é um profeta das terras palestinas, é o guia e modelo da humanidade; é o Espírito mais perfeito que já esteve na Terra, enviado por Deus para realizar nosso despertar espiritual. Se queremos, no depois da morte, encontrar a felicidade no Reino dos Céus; se queremos, em próxima encarnação, encontrar menos provas e expiações no Reino da Terra; se queremos ter paz, envidemos todos os esforços para permitir que o Reino de Deus cresça em nós, colocando em prática a caridade, pois somente o amor pode cobrir a multidão dos pecados e fazer brilhar a luz do potencial divino que todos possuímos. Somente assim os três reinos se conjugarão e os equívocos interpretativos cessarão, dando lugar à legítima fraternidade.
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