Educação: Nosso Desalento
Por Camila Gonçalves De Mario*
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para a trabalho.”
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988
A educação no Brasil ainda tem jeito? Foi o título do terceiro Fórum da Cidadania, que aconteceu em Campinas no dia 29/10/2008, na Livraria Cultura, promovido pelo Grupo Democracia e Cidadania. Na mesa de debates três professores, Ronaldo Nicolai, professor de matemática com mais de 30 anos de experiência na rede pública, e também professor da rede privada; Reginaldo Meloni, Presidente do SINPRO - Sindicato dos Professores de Campinas, e Jorge Megid Neto, Diretor da Faculdade de Educação da Unicamp, ex-professor de Física do Ensino Médio. Três professores, com diferentes experiências profissionais, mas carregando a mesma angústia: a sociedade precisa saber o que acontece em sala de aula.
Essa foi a tônica de um debate preocupante, preocupante pelo seu tema, pelo seu conteúdo e pela sensação de desalento que provoca naqueles que estão trabalhando em prol do tema e que dedicaram sua vida ao ensino.
Ronaldo começou sua fala com um desabafo: declarou que fugiu do ensino público estadual; continuou afirmando que hoje a nossa escola pública traz duas coisas aos jovens: descrédito e desesperança, e completou: “ A sociedade de uma maneira geral não tem idéia do que acontece na escola pública, o problema é que o aluno pensa que escola é isso que eles conhecem”.
Para nosso desalento deu continuidade a sua fala trazendo alguns dados: pelo menos 1/3 dos professores das escolas públicas faltam todos os dias, no lugar deles quem vai para a sala de aula é o substituto, professor que nem sempre tem a formação necessária para assumir a disciplina, melhor, a aula do professor faltante, ou seja, é comum alguém com formação em português entrar em sala para dar aulas de física, química, matemática...; que ele mesmo conheceu alunos que nunca tiveram aula de física no ensino médio por falta de professor, bem como chegou a ter uma turma de sexta série que não conseguia resolver problemas matemáticos porque não sabiam ler; para completar: para passar de ano o aluno não precisa nem ir à escola, falta caiu de moda.
Reginaldo nos chamou a atenção para o fato de que a falta de qualidade não acontece só nos limites da escola pública, ela também está na rede privada, para ele, há um grande preconceito contra a escola pública no Brasil e que, adotou-se como solução para os problemas enfrentados pela rede pública a escola privada. Portanto, ao invés de cobrar resolução e trabalhar em prol do público, nossa classe média, aqueles que têm poder econômico, optaram a pagar duas vezes por um direito – a educação pública é um direito social universal - e assim garantir uma formação de qualidade aos seus filhos, reforçando o abismo cultural marca de nossa sociedade.
Mas, nas escolas privadas, que pagamos caro, também temos professores mau remunerados, desmotivados e desagregados, que não conseguem se articular de forma organizada com sua categoria. Há escolas que proíbem a presença do sindicato, impedem a sindicalização de seus docentes, sob a ameaça do desemprego; e que, por outro lado, impedem que os alunos se organizem em Grêmios, por exemplo.
Esta escola consegue formar o cidadão? Ensinar não se restringe apenas a transferência de conteúdo aos alunos e preparação para o vestibular, mas também trabalhar a cidadania, a formação, valores morais e éticos que servirão de parâmetro para que cada indivíduo seja capaz de formular opiniões, expressá-las e participar politicamente da vida em sociedade. Esta formação não está ausente só da rede pública, muitas escolas privadas também não estão voltadas para ela.
Mas qual a causa de nossos males? Por um lado, a progressão continuada, apontada por todos os nossos palestrantes; de outro, o subfinanciamento, ou, um gerenciamento inadequado de recursos.
Jorge Megid, colocou que a progressão continuada foi implantada apenas para atender formalmente uma exigência do Banco Mundial que cobrava uma solução para o grande número de repetências, e para a evasão escolar, bem, se muitos repetiam, agora mais ninguém repete, cortou-se literalmente o mal pela raiz. Criamos uma escola na qual o professor está perdendo sua autoridade, onde os alunos sabem que não serão reprovados, e que está desestimulando os dois lados.
Perdeu-se também o rigor com o conteúdo, em uma escola que se justifica afirmando que sua proposta não é preparar alunos para o vestibular, mas que também acaba não preparando para o mercado de trabalho e para a vida.
Quanto ao financiamento é consenso que o dinheiro que está sendo aplicado não é suficiente, além de muitas vezes ser mau gasto: compram-se equipamentos sem previsões de manutenção, quando estes ficam ociosos, ou precisam de reparos, ficam parados porque falta dinheiro e/ou agilidade na gestão administrativa; compram-se livros didáticos em números enormes a um preço extremamente alto, principalmente, se levarmos em consideração a quantidade adquirida; já o professor ganha pouco, assume aulas demais, não tem tempo para se dedicar a preparação de aulas e não consegue se manter atualizado.
A mesa citou vários exemplos de mudanças na política que foram feitas apenas para atender uma exigência externa ou uma nova lei - da pior maneira possível - o mais recente é o “jeitinho” que o atual Governo do Estado de São Paulo encontrou para atender uma lei federal que estabelece que o professor deve ter 1/3 de sua carga horária para preparar aula. O governo somou todos os momentos durante um dia de aula em que o professor não está em sala de aula, como, a troca de salas entre uma aula e outra, e o período de intervalo concedido - a alunos e professores – e, cumpriu a lei, justificando que esse tempo fora de sala representa 1/3 da jornada do professor.
Porque o aluno está violento? Porque o professor está apático? Porque a sociedade não se manifesta?
Algumas pistas: o aluno está sendo profundamente desrespeitado por uma escola que não cumpre sua função; o professor está desmobilizado e insuficientemente organizado enquanto categoria, além de estar criando mecanismos de resistência para continuar sobrevivendo a um cotidiano doente, e para se convencer de que a mudança está além de sua capacidade de atuação; a sociedade, bem, quanto aos mais pobres poderíamos dizer que não têm parâmetros e capital cultural suficiente para avaliar a escola que lhes está sendo oferecida, mais, há uma preocupação muito grande em manter crianças e jovens fora das ruas, ocupados, em um lugar que possa cuidar deles enquanto seus pais estão trabalhando, é com esse intuito que muitas mães procuram as creches, não por acreditarem que a educação infantil de fato fará a diferença na formação de seus filhos. Quanto aqueles que poderíamos classificar como pertencentes à nossa classe média, e como ricos, estes resolveram o problema se refugiando nas escolas privadas, como se não tivessem relação nenhuma com o problema.
Conclusão: Já passou da hora de pararmos de assistir passíveis este grande velório de nossa política educacional e do futuro de nossa nação. Saída? Deixar de ver educação como mais uma mercadoria.
*Camila Gonçalves De Mario é Cientista Política e Coordenadora do Observatório da Ilegalidade - Grupo Democracia e Cidadania
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para a trabalho.”
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988
A educação no Brasil ainda tem jeito? Foi o título do terceiro Fórum da Cidadania, que aconteceu em Campinas no dia 29/10/2008, na Livraria Cultura, promovido pelo Grupo Democracia e Cidadania. Na mesa de debates três professores, Ronaldo Nicolai, professor de matemática com mais de 30 anos de experiência na rede pública, e também professor da rede privada; Reginaldo Meloni, Presidente do SINPRO - Sindicato dos Professores de Campinas, e Jorge Megid Neto, Diretor da Faculdade de Educação da Unicamp, ex-professor de Física do Ensino Médio. Três professores, com diferentes experiências profissionais, mas carregando a mesma angústia: a sociedade precisa saber o que acontece em sala de aula.
Essa foi a tônica de um debate preocupante, preocupante pelo seu tema, pelo seu conteúdo e pela sensação de desalento que provoca naqueles que estão trabalhando em prol do tema e que dedicaram sua vida ao ensino.
Ronaldo começou sua fala com um desabafo: declarou que fugiu do ensino público estadual; continuou afirmando que hoje a nossa escola pública traz duas coisas aos jovens: descrédito e desesperança, e completou: “ A sociedade de uma maneira geral não tem idéia do que acontece na escola pública, o problema é que o aluno pensa que escola é isso que eles conhecem”.
Para nosso desalento deu continuidade a sua fala trazendo alguns dados: pelo menos 1/3 dos professores das escolas públicas faltam todos os dias, no lugar deles quem vai para a sala de aula é o substituto, professor que nem sempre tem a formação necessária para assumir a disciplina, melhor, a aula do professor faltante, ou seja, é comum alguém com formação em português entrar em sala para dar aulas de física, química, matemática...; que ele mesmo conheceu alunos que nunca tiveram aula de física no ensino médio por falta de professor, bem como chegou a ter uma turma de sexta série que não conseguia resolver problemas matemáticos porque não sabiam ler; para completar: para passar de ano o aluno não precisa nem ir à escola, falta caiu de moda.
Reginaldo nos chamou a atenção para o fato de que a falta de qualidade não acontece só nos limites da escola pública, ela também está na rede privada, para ele, há um grande preconceito contra a escola pública no Brasil e que, adotou-se como solução para os problemas enfrentados pela rede pública a escola privada. Portanto, ao invés de cobrar resolução e trabalhar em prol do público, nossa classe média, aqueles que têm poder econômico, optaram a pagar duas vezes por um direito – a educação pública é um direito social universal - e assim garantir uma formação de qualidade aos seus filhos, reforçando o abismo cultural marca de nossa sociedade.
Mas, nas escolas privadas, que pagamos caro, também temos professores mau remunerados, desmotivados e desagregados, que não conseguem se articular de forma organizada com sua categoria. Há escolas que proíbem a presença do sindicato, impedem a sindicalização de seus docentes, sob a ameaça do desemprego; e que, por outro lado, impedem que os alunos se organizem em Grêmios, por exemplo.
Esta escola consegue formar o cidadão? Ensinar não se restringe apenas a transferência de conteúdo aos alunos e preparação para o vestibular, mas também trabalhar a cidadania, a formação, valores morais e éticos que servirão de parâmetro para que cada indivíduo seja capaz de formular opiniões, expressá-las e participar politicamente da vida em sociedade. Esta formação não está ausente só da rede pública, muitas escolas privadas também não estão voltadas para ela.
Mas qual a causa de nossos males? Por um lado, a progressão continuada, apontada por todos os nossos palestrantes; de outro, o subfinanciamento, ou, um gerenciamento inadequado de recursos.
Jorge Megid, colocou que a progressão continuada foi implantada apenas para atender formalmente uma exigência do Banco Mundial que cobrava uma solução para o grande número de repetências, e para a evasão escolar, bem, se muitos repetiam, agora mais ninguém repete, cortou-se literalmente o mal pela raiz. Criamos uma escola na qual o professor está perdendo sua autoridade, onde os alunos sabem que não serão reprovados, e que está desestimulando os dois lados.
Perdeu-se também o rigor com o conteúdo, em uma escola que se justifica afirmando que sua proposta não é preparar alunos para o vestibular, mas que também acaba não preparando para o mercado de trabalho e para a vida.
Quanto ao financiamento é consenso que o dinheiro que está sendo aplicado não é suficiente, além de muitas vezes ser mau gasto: compram-se equipamentos sem previsões de manutenção, quando estes ficam ociosos, ou precisam de reparos, ficam parados porque falta dinheiro e/ou agilidade na gestão administrativa; compram-se livros didáticos em números enormes a um preço extremamente alto, principalmente, se levarmos em consideração a quantidade adquirida; já o professor ganha pouco, assume aulas demais, não tem tempo para se dedicar a preparação de aulas e não consegue se manter atualizado.
A mesa citou vários exemplos de mudanças na política que foram feitas apenas para atender uma exigência externa ou uma nova lei - da pior maneira possível - o mais recente é o “jeitinho” que o atual Governo do Estado de São Paulo encontrou para atender uma lei federal que estabelece que o professor deve ter 1/3 de sua carga horária para preparar aula. O governo somou todos os momentos durante um dia de aula em que o professor não está em sala de aula, como, a troca de salas entre uma aula e outra, e o período de intervalo concedido - a alunos e professores – e, cumpriu a lei, justificando que esse tempo fora de sala representa 1/3 da jornada do professor.
Porque o aluno está violento? Porque o professor está apático? Porque a sociedade não se manifesta?
Algumas pistas: o aluno está sendo profundamente desrespeitado por uma escola que não cumpre sua função; o professor está desmobilizado e insuficientemente organizado enquanto categoria, além de estar criando mecanismos de resistência para continuar sobrevivendo a um cotidiano doente, e para se convencer de que a mudança está além de sua capacidade de atuação; a sociedade, bem, quanto aos mais pobres poderíamos dizer que não têm parâmetros e capital cultural suficiente para avaliar a escola que lhes está sendo oferecida, mais, há uma preocupação muito grande em manter crianças e jovens fora das ruas, ocupados, em um lugar que possa cuidar deles enquanto seus pais estão trabalhando, é com esse intuito que muitas mães procuram as creches, não por acreditarem que a educação infantil de fato fará a diferença na formação de seus filhos. Quanto aqueles que poderíamos classificar como pertencentes à nossa classe média, e como ricos, estes resolveram o problema se refugiando nas escolas privadas, como se não tivessem relação nenhuma com o problema.
Conclusão: Já passou da hora de pararmos de assistir passíveis este grande velório de nossa política educacional e do futuro de nossa nação. Saída? Deixar de ver educação como mais uma mercadoria.
*Camila Gonçalves De Mario é Cientista Política e Coordenadora do Observatório da Ilegalidade - Grupo Democracia e Cidadania
Comentários
Como educadora em exercício, e vivendo parte da minha profissão como Coordenadora Pedagógica, percebi durante todos esses anos de profissão, que a desvalorização da classe de professores não é responsabilidade somente dos nossos governantes, porque sabemos que em qualquer contexto da vida precisamos primeiro se autorrespeitar. E o que seria se autorrespeitar? É manter uma postura de verdadeiro educador, começando com a forma de se colocar diante da vida(pensamentos, palavras e obras) e em seguida, buscar o aprofundamento dos conhecimentos através de seminários, congressos,cursos,internet, leituras (através de compras de livros ou bibliotecas públicas), etc. Cada um de acordo com suas possibilidades.
Dizer que ganha pouco e que não pode se aperfeiçoar é usar de um desculpismo próprio do acomodado.
O tempo não espera ninguém...
Os que param nos conhecimentos iniciais, são ultrapassados até por seus próprios alunos que vivem no mundo da tecnologia.
Quantos professores ainda não se interessaram em aprender a lidar com o computador?
Hoje em dia, não existe mais motivo para dizer que não pode comprar um computador, pois existem lojas próprias que alugam por tempo de uso, num valor irrisório.
Para se ter uma idéia de como são os pensamentos, palavras e atitudes de nossos professores hoje em dia, é só entrar e ficar alguns minutos na sala dos professores. Muitos deles não se distanciam da postura atual dos nossos alunos e até da idade. INCRÍVEL!!!!
A valorização do Ser não está no quantidade de dinheiro que ganha, nem na posição social que ocupa. A valorização do Ser está na essência dos conteúdos intelectuais e morais que emergem do interior de sua alma.
Nós nos deixamos desvalorizar.
Nós somos responsáveis pelo descredito por parte dos nossos governantes,pais e alunos.
Fico só pedindo a Deus que os profissionais de "ouro" que ainda temos em nossa classe de professores, não desistam de ser EDUCADORES de verdade, como sempre foram.
Desculpem-me, porém é muito fácil indicar um culpado, pois assim abonamos a nossa consciência e responsabilidade.
Respeito é conquista e não imposição.
Façamos por onde reconquista o espaço que um dia já foi nosso.
Professora Selma Trigo.